Há nomes que não pertencem apenas à história, mas também à alma de um povo. Cartola é um desses nomes. Sua música não foi feita apenas de notas e palavras, mas de vida, paixão e dor. Cada samba que ele compôs carrega pedaços de sua trajetória – de suas lutas, de seus amores, de seus desencontros com a sorte e, sobretudo, de sua imensa sensibilidade.
O destino o trouxe ao mundo em 11 de outubro de 1908, no bairro do Catete, no Rio de Janeiro. Mas foi no Morro da Mangueira que ele encontrou sua verdadeira casa e construiu um dos capítulos mais belos do samba. Ainda menino, precisou deixar os estudos e trabalhar cedo para ajudar a família. A infância pobre, marcada por desafios, não impediu que ele se encantasse pelo samba. Pelo contrário, foi nos becos e vielas do morro, ouvindo os mestres tocarem violão e cavaquinho, que ele encontrou sua vocação.
Ainda jovem, trabalhou como pedreiro. Para evitar que o cimento grudasse em seu cabelo, passou a usar um chapéu. Mal sabia ele que aquele acessório lhe daria um nome que atravessaria os tempos: Cartola. Mas o chapéu escondia mais do que fios de cabelo: escondia um gênio da poesia popular, um artista que transformaria sentimento em melodia e melodia em eternidade.
Em 1928, ao lado de Carlos Cachaça, Zé Espinguela e outros bambas, ajudou a fundar a Estação Primeira de Mangueira, que se tornaria uma das maiores escolas de samba do Brasil. Sua música logo ganhou espaço e, nos anos 1930, começou a ser gravada por grandes nomes da época, como Francisco Alves. Tudo indicava que Cartola viveria uma carreira promissora.
Mas o destino, muitas vezes cruel, o levou ao esquecimento. Durante anos, viveu longe do samba, lavando carros para sobreviver. Muitos o davam como morto, mas o samba, fiel companheiro, jamais o abandonou. Foi redescoberto nos anos 1950 e, com o apoio de amigos e admiradores, voltou a brilhar.
Ao lado de sua amada Dona Zica, abriu o Zicartola, um espaço onde o samba pulsava forte e onde ele reencontrou sua essência. Finalmente, nos anos 1970, já na maturidade, gravou seus primeiros discos solo. E que tesouros ele nos deixou! "O Mundo é um Moinho", "As Rosas Não Falam", "Acontece", "Cordas de Aço"… Canções que não são apenas músicas, mas pedaços da alma brasileira.
Cartola partiu em 30 de novembro de 1980, mas nunca nos deixou. Ele vive em cada acorde, em cada roda de samba, em cada coração que sente a poesia de seus versos. Porque Cartola não foi apenas um compositor, foi um contador de histórias, um tradutor de sentimentos, um poeta que fez do samba sua voz e de sua voz um legado eterno.